Choro

Depois de muito tempo conseguiu chorar. Nem lembrava mais como fazia isso nem como reagir diante da própria necessidade de fazê-lo - apenas chorou. Não sentia dor nem medo, nenhuma emoção errada nem a incerteza de algum futuro. Foi apenas uma palavra que despertou sua vontade de poder fazer passear pelos olhos as mais sutis lágrimas – as quais já estiveram guardadas por muito tempo, mas por pura incompetência, retardou ao máximo esse momento. Chorar sem razão – contemplando a paisagem noturna pela janela. Chorar olhando o iluminado rio em segundo plano na pintura visual que tecia. Chorar ouvindo fado, cantando, escrevendo, pensando, planejando, desejando, agradecendo, sorrindo, morrendo – aos poucos em si. Chorar por causa de uma frase dita à noite – ou pelo desassossego do dia (dos pequenos e grandes alvoroços do espírito amalgamados na ânsia de tudo realizar. Chorar por estar sozinho e acompanhado por tantos indiferentes. Chorar pela alegria de um novo começo – chorar sem saber. Chorar talvez sirva para limpar a alma e escrever um começo mais claro, mais exato, mais preciso – mais visível ao longo das necessidades impostas. Um choro pela clareza que deveria antecipar ou intermediar qualquer espécie de relação. Um choro pela falta, ausência, distância, dor, pela alegria deixada pelos que partem – pelo alegre caminhar das horas. Um choro pelo silêncio e a mesquinhez do tempo – que leva para si todas as suas conquistas. Um choro porque no fim do jogo, após a pizza – todos querem gozar...