É muito fácil morrer,
sobretudo quando tudo à sua volta conspira por seu fim. É fácil
morrer e este fato transformou a morte em algo tão familiar a ponto
de banalizar-se em muitas ocasiões. E a banalização do ato
revela-se tão cruel e iníqua a ponto de não poder justificar-se em
suas significâncias. Morrem-se em lugares tão impróprios que é
preciso perguntar-se: por que? Morre-se na esquina de uma avenida, no
trajeto entre a casa e o trabalho, e em muitas outras situações,
entre elas: nos momentos de diversão, riso e ódio. Morre-se por
bobagens e por vontades. Morre-se porque o outro perdeu o controle de
si e antecipou sua morte. Morre-se tão facilmente que tornou-se
perigoso – existir. Morre-se todos os dias e sempre porque mata-se
todos os dias e sempre. Mata-se também por maldade, por suspeita,
por brincadeira, por teste, por dinheiro e, também, por nada.
Mata-se porque não compreende-se o valor da vida patrocinada por
deuses. Mata-se em qualquer instante e toda a vida está por um triz
da morte. A vida e a morte brotando do mesmo solo o tempo todo. Dia
desses, enquanto caminhava, foi-me perguntado: “onde houve um
homicídio aqui?”. Eu, estarrecido, respondi: “Não sei!”. E
não sabia mesmo. A morte passara tão perto e eu, tão absorto na
vida, não percebi sua aproximação. O caçador de notícias de
morte tinha uma missão a cumprir: divulgar a morte a fim de
banalizá-la em suas imperfeições. E eu, tão perto, sentia mais
uma vida ir-se e dar lugar a morte anunciada naquele momento. Fora o
choque de dois substantivos tão amalgamados a ponto de não saber-se
qual era o concreto e o abstrato. Outro dia, eu andava no centro da
cidade e encontrei a morte. Fitei-a de perto, assim, em instantes: um
gato perdera a vida ali, na esquina, atropelado. Era a vida mais uma
vez se dissipando sem anunciar-se, sem ruídos, sem sentido. O gato,
assim como o homem assassinado não teria outra vida para usar? Não,
decerto. Era a morte nivelando ambos os seres em suas
insignificâncias. É muito fácil morrer, pois a vida é frágil e a
morte está sempre à espreita, aguardando o momento de desferir o
perigoso bote. Morre-se facilmente porque mata-se facilmente. E tudo
transforma-se nas mais vis rotinas. Cruel em essência, onde seres
tão vivos ceifam a vida de outrem. É a morte banalizando a vida de
seu modo mais mesquinho. É fácil morrer porque “viver é muito
perigoso”. E eu, desandando-me em saudades, choro pela vida ida de
todos os seres que se foram no momento incoerente do ato sedutor e
lisonjeador da morte. Assim como a flor despetalada, é a vida que
perde-se para a morte: e não há mais volta.
Um comentário:
Esse tema estava em minha mente ha meses a ainda nada consegui transcrever, ao abrir seu maravilhoso blog, fico estarrecida com as palavras, ideias! #AMEI.
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