Sempre considerei o transporte coletivo uma
comunidade, na qual muitas emoções são expressadas. É nesse tipo
de transporte onde vivem-se as situações mais cômicas e
dramáticas. Quem dele depende cotidianamente para locomover-se nos
centros urbanos, sabe o que quero dizer. O ônibus é uma espécie de
parte de nossa casa ou pedaços de várias reunidas num só lugar. É
um espaço de trocas culturais intensas (de vários os níveis). No
ônibus, já vi serem comemorados vários aniversários; inícios de
romances; brigas conjugais; amassos entre pessoas do mesmo sexo e do
sexo oposto; já presenciei paqueras entre condutores e passageiros;
ouvi, muitas vezes, gritos e choro de criança; cenas de desrespeito
com os limites dos outros; encontros calorosos; conheci pessoas
interessantes com as quais mantive amizade e compartilhei muitas
histórias e estórias. Ônibus (o que eu mais uso) é palco de
muitas encenações reais e fictícias; é o local onde os artistas
da vida e da fome se faz presente: uns pedem para comer, outros
roubam para comer; uns cantam para comer, outros dançam para comer;
muitos mentem para fazer sabe lá o quê! Enquanto o ônibus faz seu
itinerário por vias retas, tortuosas ou longas, a sinergia da vida
vai constituindo-se com muitas intensidades. O transporte coletivo é
um locus de trocas de experiências: dores, alegrias, sucessos,
fracassos, sonhos, enfim. No ônibus, já busquei olhares e evitei
outros, por receio, desejo ou medo. Já estive tão próximo ao corpo
do outro; o outro já esteve tão próximo ao meu corpo. Nele, já
sorri muitas vezes sem motivo; também já amaldiçoei a existência.
No ônibus, aprendi muitas canções novas; já tive ódio de outras.
O ônibus já foi objeto do meu refúgio e motivo do meu desespero.
Já subi num ônibus por vontade, já desci de muitos após
reconhecer o erro. É do ônibus que vejo muitas coisas acontecendo
lá fora enquanto faço e refaço meu percurso repetido do meu
ir-e-vir diário. É o ônibus propulsor de emoções: cansaços,
delírios, repulsa. É, também, onde encontramos os mais diversos
cheiros: os básicos, os clássicos, os contemporâneos, os
afrodisíacos e, também, os repulsivos (fortes ou mistos). Acima de
qualquer coisa coisa, o transporte coletivo é um espaço onde se
manifesta a solidariedade: pela grávida, o idoso e o deficiente sem
assento onde descansar; pelos pedintes de todos os tipos, lugares e
origens – sem falar em suas histórias/estórias e motivos. É o
locus da s-o-l-i-d-a-r-i-e-d-a-d-e! Muitos (inclusive eu), já abriu
a carteira para atender a um pedido ou realizar uma compra de um
artigo que não se tinha necessidade somente para ajudar o outro
trabalhador. Mas, para mim, a maior afirmação da ideia do
transporte coletivo (ônibus) como uma comunidade e locus da
solidariedade foi quando, por azar ou insígnia da nobreza de toda a
irmandade, perdi minha carteira num ritual de apertos e balanços.
Quem a achou se revelou na personificação de um ser distinto e
leal: sem me conhecer, procurou-me no mundo cibernético e terminou
encontrando-me para a entrega do tão esperado objeto. Sem dúvida, o
transporte coletivo é o lugar onde forças distintas se movem – e
onde seres expressam ou escondem sua grandeza.
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